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Responsabilidade pré-contratual e o silêncio na formação dos contratos

A importância da boa-fé e a responsabilidade civil na fase pré-contratual e as repercussões advindas desta relação inicial, abordando ainda a questão do silêncio nesta fase de negociação, formas de sua interpretação e consequências. O foco deste breve texto são as relações sob a égide do Código Civil, pois o enfoque pelo Código de Defesa do Consumir é diverso.

A importância do tema é evidente, pois inclusive foi objeto de análise e formulação no Conselho de Justiça Federal do Enunciado n. 170, verbis:

“a boa-fé objetiva deve ser observada pelas partes na fase de negociações preliminares e após a execução do contrato, quando tal exigência decorrer da natureza do contrato”. 

Nas atividades sociais, no trato das relações humanas, a vontade é um dos fatores mais importantes, é o elemento cerne destas relações, pois é o componente intrínseco deste relacionamento. Não havendo vontade de se relacionar, não há de se falar em contrato.

A partir deste entendimento a doutrina passou a se debruçar sobre as formas de vontade, a vontade externada, aquela que vai ter relevância para o mundo jurídico e a vontade intrínseca, interno, psíquico.

Não só neste sentido, se partiu para a análise da importância jurídica que seria dada a cada tipo de vontade, externada e intrínseca, originando-se duas teorias a respeito. Assim que,  citado por Priscila David Sansone Tutikian (Tutikian, 2009), refere:

“[…] A Teoria da Vontade – que tomou forma decisiva na metade final do século XIX, especialmente por meio do entendimento  e do caráter que lhe conferiu Savigny – propunha que, havendo divergência entre a vontade interna e a vontade declarada, o negócio deveria ser interpretado segundo a vontade interna do agente. Por seu excessivo subjetivismo, houve vários questionamentos acerca desta teoria, principalmente em relação a sua repercussão no plano da segurança jurídica.

      Já a Teoria da Declaração – irrompida, segundo Flume, na década de 70 do século XX, a partir de um tratamento dos casos de erro, cuja solução era  oposta à anteriormente conferida pela Teoria da Vontade, primava por prestigiar a segurança jurídica e a estabilidade das relações  no tráfego negocial, sustentando que, havendo divergência entre ambas, a declaração era o que deveria imperar, ou seja, a prevalência da vontade declarada.[…]”

Já entrando na seara dos negócios jurídicos em geral, estes são precedidos de uma fase que é comumente conhecida como tratativas, é nesta fase que pode culminar na formação do contrato propriamente dito.

Na fase de tratativas as discussões não são apenas jurídicas, mas principalmente envolvem os aspectos técnicos do negócio a ser entabulado, troca de informações e segredos comerciais inerentes ao objeto a ser contratado.

Muito comum é que as partes fiquem apenas na fase de tratativas, não evoluam para a formação do contrato, seja por consenso, seja porque uma delas tenha que abandonar tais tratativas.

Aqui se fala em responsabilidade pré-contratual ou culpa  in contraendo, pois contrato ainda não existe; porém existe o dever de confiança entre as partes, a expectativa gerada entre ambas para a efetivação do negócio jurídico.

Nesse entendimento surge a tutela da confiança aplicada à proibição do comportamento contraditório (venire contra factum proprium), isto é, deste o início das tratativas a parte demonstrou que havia o interesse na efetivação do negócio jurídico, foram demonstrados segredos comerciais, feitos investimentos e gastos, reuniões, troca de informações sigilosas e, sem justificativa alguma, a parte abandona as negociações.

No abandono das negociações temos quatro hipóteses características: a) quando ocorre a ruptura injustificada das tratativas; b) quando, no desenvolvimento das negociações um dos interessados cause  dano à pessoa ou patrimônio do outro; c) quando tenha estabelecido contrato nulo ou anulável e um dos interessados tinha prévio conhecimento, ou deveria conhecer, o vício no negócio jurídico; d) quando, mesmo firmado o contrato, tenha ocorrido danos na fase de tratativas;

De qualquer sorte, a responsabilidade pré-contratual exigirá análise e prova dos mesmos elementos da responsabilidade civil, ou seja,  conduta culposa de uma das partes na negociação, o dano efetivamente causado e o nexo de causalidade,

Nessa senda, partindo-se do entendimento uníssono que a formação dos contratos exige a formulação de uma proposta e esta proposta chegue ao conhecimento do oblato, a partir deste fato, conhecimento da proposta, ele passa a interessar ao mundo jurídico.

  Assim que, doutrinadores começaram a se manifestar sobre a necessidade ou não, de haver distinção da responsabilidade pré-contratual e contratual, pois ambas estariam protegidas pelo princípio geral do nemim laedere ou o princípio da boa-fé objetiva, sendo que os resultados seriam os mesmos. Nessa seara, Karina Nunes Fritz (Fritz, 2008, 2a. reimpressão 2012) faz uma breve análise sobre o que referem alguns doutrinadores:

“ A incidência do dever de proteção nasce pré-contratual sofre, nos sistemas jurídicos dotados de cláusula  geral de responsabilidade civil, relativa mitigação, posto que essa cláusula geral já seria o mecanismo apto a solucionar os casos de danos sofridos pelas partes, como observa  Menezes Cordeiro. Também Benatti reforça a tese, observando que  o dever de proteção por ele  denominado de conservação, não possui as características essenciais dos deveres pré-contratuais: não surge com as negociações e nem se destina à preparação de futuro contrato. Segundo o autor, o dever de proteção, que reflete o interesse do sujeito em não sofrer danos, não nasce em função das tratativas, mas existe em todos os momentos da atividade humana, sendo devidamente protegido pelas normas da responsabilidade aquiliana, não havendo razão, portanto, para submetê-lo ao princípio da boa-fé objetiva.”

Mais adiante  (Fritz, 2008, 2a. reimpressão 2012) apresenta o contraponto da doutrina, onde parte dela defende que se intensificam as responsabilidades com o início das negociações: 

“ Talvez razão assista a Schwab, quando afirma que o dever de proteção, nascido com a entrada em negociações, vai muito além do simples dever geral de não causar dano injusto. Pontes de Miranda (Tutikian, 2009) parece reconhecer  a autonomia do dever de proteção nas negociações ao constatar que na apenas a violação do dever de verdade e esclarecimento dá ensejo à responsabilidade pré-contratual, mas também,  a conduta dos figurantes. Dá como exemplo o caso de alguém que, examinando objeto que deseja adquirir, o danifica e observa que “foi in contraendo que o futuro figurante (…) lesou o outro. Infringiu dever de conservação.”

A prova de que,  a partir do início das negociações as responsabilidades são maiores e não se equiparam ao dever geral de cautela (art.927 do CC/2002), seja em condutas ativas ou passivas, é que neste momento surgem deveres de informação, lealdade e sigilo.

Ainda é muito comum a responsabilidade civil pré-contratual decorrente da recusa de contratar, assim como a responsabilidade baseada no rompimento ilegítimo das negociações preliminares também se fundamenta no abuso de direito. Trata-se, nesta hipótese, do direito de contratar, decorrente do princípio da autonomia da vontade.

  Assim, a recusa injustificada à contratação pode ensejar a discriminação do sujeito preterido. A análise de eventual responsabilização por recusa de contratar passa, necessariamente, pela análise de dois princípios constitucionalmente assegurados, a autonomia da vontade e a igualdade, que possui como elemento cerne, a proibição à discriminação.

  Nessa linha de entendimento segue Dário Moura Vicente, para quem:

“Avulta a este respeito a diferente hierarquização dos valores jurídicos que estão no cerne da problemática em apreço: a liberdade individual na negociação e conclusão dos contratos, por um lado, e a solidariedade traduzida no respeito pelos interesses legítimos da contraparte e na confiança que esta deposita na válida celebração do contrato, por outro”. 

  Já Silvio Venosa refere  a conexão entre a conduta abusiva da recusa injustificada de contratar e a obrigatoriedade de responsabilização:

“ A recusa injustificada na venda ou na prestação de serviços constitui ato que se insere no campo do abuso do direito. O comerciante não está obrigado a vender, mas se dispôs a vender, não pode recusar-se a fazê-lo a quem pretende adquirir o objeto de sua mercancia. Essa conduta extravasa os limites do direito, é prática abusiva, pois existe um desvio de finalidade. (…) Quando um titular de uma prerrogativa jurídica, de um direito subjetivo, atua de modo tal que sua conduta contraria a boa-fé, a moral, os bons costumes, os fins econômicos e sociais da norma, incorre no ato abusivo. Em tal situação, o ato é contraditório ao Direito e ocasiona a responsabilidade do agente pelos danos causados”.

Há fatos e circunstâncias que são de conhecimento público ou podem ser conhecidas pela diligência normal das partes quando vão contratar, isto é, buscar informações mínimas sobre quem e o que vão contratar.

De outro norte, há questões em que somente é possível um conhecimento mais amplo de porte das informações fornecidas pelo proponente, informações estas que são vitais para a decisão de contratar ou não.

Nessa linha a jurisprudência é farta, como algumas ementas abaixo citadas:

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO REDIBITÓRIA – COMPRA E VENDA – VEÍCULO “SALVADO/RECUPERADO” – VÍCIO – VIOLAÇÃO AO DEVER DE INFORMAÇÃO – RESCISÃO CONTRATUAL – POSSIBILIDADE – AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DO BANCO PELO VÍCIO DO PRODUTO – RESCISÃO DO CONTRATO ACESSÓRIO – RESTITUIÇÃO DE VALORES PAGOS – “LEASING” – DEVIDA FRUIÇÃO DO BEM- VRG RETORNO AO STATUS QUO ANTE I – É dever da empresa vendedora de veículos usados informar sobre o histórico do bem, sobretudo quanto ao fato de que fora batido, tendo sido, inclusive, objeto de leilão, sendo direito do consumidor, no caso de descumprimento, pleitear a rescisão contratual, pela omissão quanto ao vício do produto. II- Ao dever de reparar impõe-se configuração de ato ilícito, nexo causal e dano, de modo que ausente demonstração de um destes requisitos não há que se falar em condenação. III- A instituição financeira cedente do valor utilizado para viabilizar a compra e venda não responde pelos vícios do produto, eis que, embora acessória, formaliza relação negocial independente com o autor. IV- Em face das características e peculiaridades do contrato de Leasing, uma vez que o mesmo trata-se de uma evidente “locação,” com opção final de compra, há de ser considerar tais características quando determinado o retorno ao “status quo ante” do contrato. (TJ-MG – AC: 10024100702448001 MG , Relator: João Cancio, Data de Julgamento: 29/04/2014, Câmaras Cíveis / 18ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 07/05/2014, undefined)

Ementa: RECURSO INOMINADO. IMOBILIÁRIO. AÇÃO DESCONSTITUTIVA C/C   AÇÃO DE RESTITUIÇÃO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. RESCISÃO CONTRATUAL DE BEM IMÓVEL. VALOR DO PROVEITO ECONÔMICO PRETENDIDO COMPREENDIDO NO VALOR AUTORIZADO PELA LEI 9.099/95. COMPETÊNCIA DO JEC. SENTENÇA DESCONSTITUÍDA. JULGAMENTO IMEDIATO PARA DETERMINAR A RESCISÃO CONTRATUAL COM A DEVIDA RESTITUIÇÃO SIMPLES DOS VALORES ADIMPLIDOS. MULTA CONTRATUAL PREVISTA. LIMITAÇÃO EM 10% SOBRE O VALOR ADIMPLIDO. COMPENAÇÃO AUTORIZADA. Pretende a parte autora a rescisão do contrato de compra e venda de imóvel no valor de R$ 100.000,00, com a devida restituição dos valores já adimplidos (R$11.011,43), bem como a condenação da ré ao pagamento de indenização por danos morais advinda de suposta falha na prestação do serviço por inobservância ao .. Incompetência do Juizado Especial Cível que merece ser afastada, haja vista que a pretensão econômica da recorrente (R$ 11.011,43) está compreendida nos limites impostos pela lei n. 9.099/95. Precedentes desta Turma. Sentença desconstituída. Inexistindo no contrato celebrado entre as partes com a Caixa Econômica Federal cláusula que envolva a participação do Fundo de Compensações e Variações Salariais – FCVS , também é de ser afastada a alegada incompetência da Justiça Estadual. Julgamento imediato do mérito autorizado pelo art. 515, § 3º do CPC. Autorizada a rescisão unilateral das relações de consumo, ante a prática da contratação por adesão que limita a atuação da autonomia da vontade do consumidor na escolha dos termos do negócio. Restituição dos valores adimplidos, de forma simples, que perfaz a monta de R$ 8.213,64. Autorizado o desconto, todavia, da multa contratual prevista para o caso de desistência, que resta limitada a 10% sobre o valor das parcelas já pagas, ou seja, R$ 821,36 somado ao valor pago a título de arras, que perfaz R$ 100,00. Danos morais não configurados. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PROVIDO EM PARTE. (Recurso Cível Nº 71004672903, Primeira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Fabiana Zilles, Julgado em 28/10/2014)

  Neste tópico também interessa o nível de conhecimento das partes sobre o objeto do contrato, a superioridade de uma sobre a outra, onde tal dever  sequer  pode se apresentar. Naqueles contratos em que ambas  as partes possuem um nível alto de conhecimento do objeto do contrato, quando são do mesmo ramo de atividades tal dever arrefece.

A par do dever de informação (Fritz, 2008, 2a. reimpressão 2012) aduz, verbis:

“A violação dos deveres de informação podem adquirir uma feição positiva ou negativa, constituindo, assim como a infração de todos os deveres decorrentes da boa-fé objetiva, motivo legítimo para o abandonar das negociações, na medida em que há quebra da necessária confiança que deve existir entre parceiros. Uma violação positiva ocorre, por e3xemplo, face ao fornecimento de indicações incompletas ou inexatas, podendo responder quem forneceu as informações, por responsabilidade pré-contratual, caso a contraparte tenha realizado despesas em decorrência das informações prestadas. A violação dos deveres de informação adquire conotação negativa quando ocorre uma omissão de informações.” 

O dever de lealdade está intrinsecamente vinculado ao próprio entendimento da boa-fé objetiva, ou seja, é uma variante desta. A boa-fé objetiva é elemento contratual, não apenas contratual, mas que permeia todas as relações em sociedade, razão pela qual é há muito estudada e debatida.

Nessa seara, como uma das definições da doutrina sobre a boa-fé objetiva, segue o comentário de Vicente Ráo (Ráo, 1979):

“Estado psicológico, julgado e medido segundo critérios ético-sociais e manifestado através de ato, atitudes, ou comportamentos reveladores de uma crença positiva errônea, ou de uma situação de ignorância, ou de ausência de intenção malévola, segundo os casos e conforme as exigências legais, a boa-fé ora é protegia, ora é  reclamada pela lei, sempre por um fundamento de justiça: o direito se aperfeiçoa, diz RIPERT , à medida em que leva em conta a boa-fé. Os autores que a erigem  em princípio geral dizem : “a boa-fé não deve ser considerada apenas como princípio informador das leis, senão, também,  como princípio criador que, de fatos, faz surgir direitos”; ou ainda, sustentam  consistir a boa-fé em um princípio a que se deve reconhecer a força de postulado moral e de segurança das transações. VIRGÍLIO DE SÁ PEREIRA, entre os nossos, adotando uma conceituação subjetivista, afirma que no “comércio jurídico, como na vida social, há um elemento subjetivo que informa, estrutura e vivifica todas as relações – é a boa-fé; por onde ela passa, suprem-se as nulidades, sanam-se os vícios e as capacidades se integram” (in Rev. De Direito, vol. 54, pág.498). Colocando-se, também, em um ponto de vista subjetivo, TEIXEIRA DE FREITAS, assim a definia: “a boa-fé dos atos jurídicos consiste na intenção de seus agentes relativamente a terceiros, quando procedem sem simulação, nem fraude”.

A boa-fé é exigida na formação dos contratos e protegida quando conduz à aquisição de um direito (GORPHE: Le Principe de La Bonne Foi, tese, 1928); exerce função de adaptação quando  os atos jurídicos se formam ou executam e função criadora em matéria de posse (MOREL: La Bonne Foi dans les Actes Juridiques, Curso, 1936-37); fixa as condições da responsabilidade e obsta ou restringe os efeitos das nulidades (VOUIN: La Bonne Foi Notion et Rôle Actuels em Droit Civil Français, tese, 1929).

Aqui o dever de lealdade vai empregado na medida em que se exige das partes o dever de cooperação, de atuar no sentido do contrato ser efetivamente levado à efeito, ou seja, ultrapassar a seara das negociações. 

É o respeito mútuo das partes com a troca de informações e condutas na medida em que ambas convergem para a realização do contrato, ou seja, nenhuma delas está iniciando a negociação sem a real intenção de contratar, ou ainda, consciente de que não vai contratar.

Na dinâmica dos negócios aparece outra situação rotineira, que é a realização das partes em negociações paralelas com outros contratantes, que por si só não ofendem a boa-fé, desde que haja a informação prévia desta situação de uma a outra parte. Nessa linha há o entendimento de (Fritz, 2008, 2a. reimpressão 2012):

“Mais adeptos têm, contudo, a posição contrária, segundo a qual não faz parte do dever de lealdade a proibição de envolvimento em negociações paralelas, dividindo-se as opiniões apenas em relação à necessidade de comunicar tal fato à contraparte”. Almeida Costa posiciona-se, em princípio, pela desnecessidade de informar a contraparte sobre eventuais negociações paralelas, mas admite exceção se a mesma puder realizar despesas excepcionais para concluir o contrato. Garcia Rubio observa, com razão, que a lealdade devida no período pré-contratual parece exigir que seja dado conhecimento à contraparte sobre as negociações paralelas ou, pelo menos, que esse fato não seja ocultado:

Os autores que se têm feito semelhante pergunta respondem, em geral, negativamente por considerar que, na maior parte dos negócios jurídicos patrimoniais de certa importância, as negociações paralelas são práticas comuns que, por si mesma, não implicam violação da boa-fé pré-contratual. E mais, na consideração de muitos autores, a existência de uma oportunidade melhor de contratar – que parece consequência lógica de uma negociação paralela – é uma causa justificadora para a ruptura das tratativas e, portanto, excluiria a responsabilidade pré-contratual; o que parece exigir a lealdade devida no período pré-contratual e comunicar a outra parte de que se realiza negociações com terceiros ou, pelo menos, não ocultar esse dado.”.

O dever de sigilo também está intimamente ligado ao dever de lealdade, sendo considerado um dos aspectos do dever de lealdade. É objeto deste dever aquelas informações adquirido em razão do início das tratativas, bem como não se inserem aquelas de domínio público.

A este repeito  (Fritz, 2008, 2a. reimpressão 2012) cita o entendimento de Maristela Basso sobre a matéria:

“Uma vez concluído o contrato definitivo, o acordo de segredo geralmente desaparece, pois no corpo do ajuste final se inclui uma cláusula de segredo, de confidência. No caso de recesso das tratativas, o acordo vigorará pelo prazo nele fixado. Caso nenhum prazo tenha sido estabelecido, a base de cálculo dependerá das circunstâncias da situação concreta. Em geral, dever-se-á considerar que a obrigação de segredo subsistirá até quando as informações confidenciais não caiam no domínio público e a sua divulgação seja suscetível de prejudicar o proprietário.”

O que é defesa as partes é a utilização das informações recebidas em razão do inicio das tratativas e que tal uso possa causar alguma espécie de prejuízo à outra parte, mesmo que não haja um acordo expresso que trate sobre o sigilo das informações, entrando mais uma vez no princípio geral da boa-fé nas relações contratuais.

  Na fase pré-contratual, naqueles contratos clássicos em que há uma negociação prévia formal, constituição da proposta, aceitação ou formulação de contraproposta e a redução a termo da negociação, confecção do contrato propriamente dito, o silêncio  pode não ter muita relevância.

Lado outro, na dinâmica das relações comerciais, naqueles contratos quase instantâneos, onde a fase pré-contratual é apenas psíquica, interna, onde o contratante verifica o objeto ou serviço a adquirir/contratar, analisa as vantagens econômicas e, então, efetiva a contratação, nestes contratos quase instantâneos o silêncio passa a ter maior relevância.

Ainda é relevante o aspecto do silêncio, seja do policitante ou do oblato, naqueles contratos que são entabulados de forma quase contínua entre as partes em que a fase pré-contratual, proposta e aceitação são quase instantâneas.

O Código Civil disciplina o silêncio no artigo 111, verbis:

Art. 111. O silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa.

Priscila David Sansone Tutikian (Tutikian, 2009)  refere:

“  Resta averiguar, então, se o silêncio é, atualmente, considerado subespécie do gênero declaração tácita de vontade ou se é uma terceira espécie de declaração negocial.

A repercussão dessa conclusão atine à possibilidade de o silêncio poder ser  considerado declaração tácita ou, em determinadas circunstâncias, eventualmente ser considerado declaração expressa ou, ainda, se constitui categoria autônoma de declaração negocial.

Verifica fazer maior sentido a filiação ao entendimento de que não é subespécie de nenhuma dessas formas de declaração, nem a expressa nem a tácita, constituindo-se em uma terceira forma de declaração e, por conseguinte de aceitação”.

O silêncio encontra proteção, seja como forma de aceitação, seja como forma de recusa em contratar, sob o amparo da boa-fé, ainda neste sentido (Tutikian, 2009)  refere em sua obra, quando cita doutrina de Couto e Silva e Pontes de Miranda:

“Nesse sentido, novamente avaliando-se o Direito brasileiro, Couto e Silva e Pontes de Miranda foram pouco mais além, relacionando os comportamentos  humanos acima mencionados com a necessária proteção à confiança quem eles venham a despertar no alter. Desse modo, o último autor aduz ser necessári0o proteger-se  a confiança legítima e punir-se as condutas abusivas:

O que em verdade se passa é todos os homens  têm de portar-se com honestidade e lealdade, conforme usos do tráfico, pois daí resultam relações jurídicas de confiança, e não só relações morais. O contrato não se elabora a súbitas, de modo que  só importe a conclusão, e a conclusão mesma supõe  que cada figurante conheça o que vai receber ou vai dar. Quem se dirige a outrem , ou invita outrem a oferecer, ou expõe ao público, capta a confiança indispensável aos tratos preliminares à conclusão do contrato. Não há, porém contrato tácito nem negócio jurídico unilateral, que esteja à base da relação jurídica de confiança.”

  Assim, o silêncio, dependendo do tipo de relação contratual, volume de contratos formulados entre as partes, também pode ser entendido como forma de aceitação ou recusa e estar adstrito à responsabilidade pré-contratual, e o que vai disciplinar essa situação é a análise da boa-fé objetiva das partes aplicada ao caso concreto.

O contrato é uma sequência de atos humanos, conforme refere  Roppo, citado por (Tutikian, 2009) a fls.136:

“…um contrato não é elemento da realidade física, cuja existência se possa propriamente constatar, tal com o é possível contratá-la quanto  aos objetos do mundo natural […]” e, por isso mesmo, “[…] a formação de um contrato consiste num processo, isto é, numa sequência de atos e comportamentos humanos[…]”.

Desta forma, a fase pré-contratual possui, a rigor, a mesma proteção que a fase contratual propriamente dita, naquela a exigência de condutas condizentes com a boa-fé são tão necessárias quanto na fase contratual, senão mais importante.

A troca de informações na fase pré-contratual é da maior relevância, pois a falta de alguma informação neste momento pode dar margem para, no futuro, o contrato ser denunciado e ainda se buscar indenização pelos prejuízos suportados.

Nesse diapasão, partindo-se do pressuposto que, se a uma das partes contratantes foi sonegado uma informação que deveria ter sido apresentada na fase pré-contratual,  e ela sabedora previamente disto não contrataria, este fato pode ensejar a reparação de danos e denúncia do contrato.

É possível  afirmar que a fase pré-contratual é aquela em que a exigência da boa-fé mais se exige, pois é neste momento que se forma a convicção de contratar, ou não contratar.

Até mesmo o silêncio pode ser entendido como uma manifestação da fase pré-contratual que também está adstrita à boa-fé e será interpretado de acordo com o caso concreto, ou seja, haverá situações em que o silêncio de uma das partes ensejará a reparação de danos causados à outra parte, mesmo nesta fase pré-contratual.

A análise da responsabilidade pré-contratual, portanto, levará em consideração  principalmente a boa-fé, os usos e costumes e o próprio relacionamento das partes em outras negociações. 

REFERÊNCIAS 

Fritz, K. N. (2008, 2a. reimpressão 2012). Boa-fé Objetiva na Fase Pré-contratual. Curitiba: Juruá.

Ráo, V. (1979). Ato Jurídico. São Paulo: Saraiva, 2 edição.

Tutikian, P. D. (2009). O silêncio na formação dos contratos. Porto Alegre: Livraria do Advogado.